segunda-feira, 6 de abril de 2009

"Vou sair, por aí...Vou fazer, um auê..."



Bem, na verdade o stress começou no dia anterior, no sábado. Porque? Simples. Cada vez que "rola" de ir lá, o coração aperta, a adrenalina sobe, o choro fica entalado na garganta. Mas porque todo esse mix de sensações? POrque apesar dos pesares, um dos que estão ali dentro, é meu irmão. E família, de verdade, é algo bem precioso. Tesouro maior aqui nessa terra louca. Opa !!! Não estou falando que ele é um santo não. Está lá porque algo fez de errado aqui fora, e nada mais justo que ele pague tudo o que deve a essa justiça. Eu disse tudo.

Dessa vez, minha irmã, que prometeu que jamais iria visitá-lo, também resolveu ir. Demos então, "folga" pra nossa cunhada, que todo final de semana se desloca daqui da zona norte onde moramos para ir lá pra Suzano, onde ele está. Fora a humilhação de sempre. Ficar pelado, mostrar suas partes mais íntimas pra estranhos, enfim...Tem que gostar muito pra passar por isso. Gostar não. Amar. Entendo agora o porque que algumas esposas abandonam os maridos lá dentro e vice versa.

Para ir foi tranquilo. Eu, pra variar, em situações que exigem muito do meu lado emocional, estava calado, talvez stressado, ou até mesmo sem vontade de ir. Mas como futuro jornalista especializado na área investigativa ( alguém aí duvida disso??? ) encarei, na boa. Dentro do carro, meu cunhado, minha irmã, meu sobrinho (filho do meu irmão) e eu. Silêncio na maioria do tempo. E quando resolviamos conversar, o assunto era único: Prisão, advogados, sentenças e afins.

Meu cunhado é um cara muito bacana. Além de cuidar muito bem da minha irmã querida, amá-la prá valer, sempre que precisamos, ele está ali, pronto prá ajudar. Mas tem um defeito (perfeição?? quem é perfeito ??) : Quase nunca aceita palpites quando está dirigindo. Mesmo sem saber o caminho, ele não aceita "toques". Erramos umas duas vezes o caminho. E o meu sobrinho? Só de entrar no carro já enjoa...Chegando lá, o problema era tentar tirrar o piercing que minha irmã usa no umbigo. Não entra com nada de metal no corpo. Nada é nada mesmo. O pino estava emperrado. E para soltá-lo, precisamos recorrer a um depósito de material de construção e pedir um alicate emprestado. Conseguimos. Depois, fomos barrados na primeira portaria ( primeira de seis ) porque meu sobrinho não podia entrar sem estar acompanhado pela mãe ou avó. Não entendi direito: Com os avôs podem e com os tios não? Enfim...Prá nossa sorte, meu cunhado ainda estava com o carro parado esperando entrarmos. Daí voltou com meu sobrinho.

Nas filas que enfrentamos, mulheres e homens de todas as cores, raças, credos e religiões discutiam o porque cada um tinham parentes presos. Cada história. Prometo que um dia conto algumas aqui pra vocês. Na hora da revista íntima, estranhei, me incomodei, mas levei numa boa, afinal, já havia passado por isso antes. Já minha irmã...Lágrimas e mais lágrimas. Chorava copiosamente. Meu coração partia ao meio. A coitada estava em choque. Se pra nós homens é constrangedor, imagino para elas, mulheres...As mulheres nas filas até foram solidarias, mas na boa, falavam uma língua meio que desconhecida para nós. Mas...Várias filas e portões depois, chegamos até onde ele estava nos aguardando, tão aflito quanto nós.

Veio nos receber com um sorriso. Já nós, com lágrimas. Nem as gentilezas de alguns agentes nos deixou à vontade. O abraço terno, os beijos, as saudades...Que bom revê-lo. Ele pegou a sacola que carregávamos com o almoço ( funciona assim: Quando chega, eles tem que vir recepciona-lo e alivia-lo caso esteja carregando algo). Ele também choraria, se isso não o "fragilisasse" perante os demais presos. Na cadeia, diz que quem chora, dorme do canto da cama, abaixa pra pegar o sabonete, entenderam?

Sentamos em colchões e lençois improvisados espalhados peloas laterais de todo o espaço fora das celas. Nosso irmão sentou ao lado e começamos a conversar, enquanto o almoço esquentava em uma espécie de banho maria gigante improvisado por eles (aliás, eles são geniais quando o assunto é inventos). Falamos sobre tudo e todos. Família, "amigos", testemunhas, advogados, possibilidades de sair ou não, enfim, sobre tudo e todos. Uma chuva forte começou então e não parou mais, ou melhor, parava e voltava mais intensa ainda.

Fomos obrigados a nos apertarmos todos dentro das celas, visitas e visitados. Os que não tinham visitas, ficaram em um canto coberto, fora e longe das visitas, cantando pagode e fazendo batucada ( acho que daí que veio a chuva, de tão mal que cantavam). Minha relutou no início para entrar, mas vendo que não tinha jeito, relaxou, respirou fundo e...entrou. Apesar da chuva que caia, o calor era grande dentro das celas. Muitas crianças. O que me chamou mais a atenção é a organização como tudo é feito, e a cooperação entre eles. Quem não recebeu visitas, cedia os colchões e as camas para servirem de assento. Não sei se ppor medo de represálias posteriores ou se por camaradagem mesmo. Com a chuva, o papo rolou solto. Eu intercalava entre a cela e o pátio, observando os presos, a chuva, o espaço físico, as engenhocas construidas por eles.

Conversamos com alguns presos. Alguns parentes. Ficamos sabendo da história de alguns, do que esperam da justiça, o que farão quando voltarem pra rua e a amargura de estarem em um lugar que segundo eles, "não é lugar de gente não, mano"...O que me chamou muito a atenão era que, todos, sem excessão, diziam estarem ali inocentemente, que foram crimes forjados, que a policia falsificou dados, material para incriminá-los e etc, inclusive meu irmão fala isso. Pensei qté que estava em uma cadeia onde só prendem inocentes. Mas como sabemos que ninguém estava ali porque foi pego em uma igreja rezando...

Outra coisa que chamou tanto a minha atençao e o da minha irmã, foi o fato de alguns casais subirem para as camas de cima, permanecerem por lá alguns longuissimos minutos e sairem molhadas de tanto suor, tanto elas como os parceiros presos e correrem para o banheiro, afim de um banho gelado. Olhei pra minha irmã e antes que eu pudesse dizer algo ela me disse que deixasse para comentar lá fora, quando saissemos da cadeia. Calei. Ela me entendeu e eu a entendi. Compreendemos então que ali, protegidos apenas por cortinas improvisadas por lençóis velhos, brancos, encardidos e desgastados, rolava um "rala e rola". será que eles não ficavam envergonhados? Com a quantidade de mulheres grávidas que tinham por lá, acredito que não.

Depois de tanta conversa, muitas histórias ouvidas, do samba tocado ruim pra caramba, da ciançada jogando bola no pátio debaixo da chuva e principalmente, depois de tantos homens inocentes, a chuva deu uma trégua e viemos embora, deixando o coração apertado novamente, as lágrimas querendo cair novamente, mas já estou aprendendo: Não chorar. Não pode. Não deve. Segura até sair fora da visão deles. Passamos aonde aluga/guarda volumes, minha irmã se trocou e fomos embora. Acompanhados por uma senhora até que chata, falante demais. O filho dela era um dos "inocentes" que estavam lá, presos. Conseguimos despista-la e fomos pra estação de trem.

Quando entramos no trem pra vir embora, a chuva caiu mais forte e ficamos parados mais de uma hora nos trilhos, esperando para um pouco de cair tanta água do céu. Foi então que me peguei cantando: " Deixa eu, larga eu, meu amor eu não aguento mais...vou sair, por aí...vou fazer um auê..."...Epa !!! Esse era o pagode que o pessoal do Centro de detenção estavam cantando antes de começar a chuva...Uma música que fala de ... liberdade...Entendi o porque começou a chover mais forte !!!

Abraços, até mais e comentem, valeu?











2 comentários:

  1. Puts que merda hein...
    Usa o blog para falar coisas boas, pois de sofrimento à Africa está cheio, o Brasil tbm.

    Atenciosamente.

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  2. oi carlinhos obrigado por usar seu blog para falar um pouco como é dentro de um cdp pois estou com meu sobrinho preso la e não sei como agir diante de tanto sofrimento, mas lendo já fiquei mas confiante de conseguir entrar .valeu boa sorte.
    vanda.

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Se comentou, foi porque leu até o final. Valeu. Volte sempre...