terça-feira, 17 de março de 2009

Hehehehe...

- Pode colocar as mãozinhas sobre a cabeça, virar de costa e abrir bem as pernas, bando de vagabundos, safados, favelados!

Ouvir esses termos mais uma vez soou como um tapa no pé do ouvido. Mas Daniel já estava acostumado com isso. Principalmente quando saia da boca do Carlão. Policial. Da Rota hoje. Mas no passado, foi um dos moradores daquela comunidade. Ouvir que era favelado, não tinha importância. Era mesmo. Agora ouvir que era vagabundo e safado. Vixi Maria! Doía na alma.

Trabalhava até as onze, meia noite. E ao entrar na comunidade onde morava, ouvir esses esculachos de um ex-amigo...E não adiantava reclamar na corregedoria ou denunciar. Voltava cada vez mais folgado. Sem comentários. Tava uma noite fria, “garoenta”. Era tempo de chuva em São Paulo. Finalzinho de março começo de abril.

- Filho de uma puta! Quando morava aqui na favela, ficava ramelando aí no nosso meio. Agora porque ta usando uma farda, tem uma arma na cintura, fica tirando um barato da cara da rapaziada. Branquelo filho da mãe.

- Pô, Carlão, o que é isso, truta? Liga “nóis” não, é?

- Já falei pra ficar caladinho com as mãos na cabeça e virado de costa, com as pernas bem abertas, filho de uma égua! Não “ligo” vagabundo não, cara. Sou autoridade. Não tenho amizade com gente da sua laia não.

A raiva me corroia. Toda vez era a mesma coisa. Os mesmos esculachos, as mesmas humilhações, os mesmos tapas na cabeça, os mesmos chutes nas pernas, tudo isso, na maioria das vezes, vindo do mesmo policial. O Cabo Carlos. O mesmo Carlão de antigamente.

- Qualquer dia perco as estribeiras com esse lazarento e vou preso por desacato. Quem ele pensa que é? Quando ficava aqui dando um tapa no meu baseado e um bico na minha cerveja, era todo humildade. Agora... Fora a vergonha que me faz passar na frente dos manos cada vez que me pára.

Mas nessa noite, Daniel não tava muito bom não. Tinha discutido no trampo uns dois dias atrás com um outro peão.

- Aí, Daniel. Vou te catar. Fica ligeiro que vou te acertar. Aí não vai ter ninguém pra separar nóis dois não. O bicho vai pegar pro seu lado. Vou te dar só um teco. Só um.

Daniel tinha medo. Tinha sido ameaçado de morte pelo Celso. Uma briga boba que nem precisava chegar a tanto. Sabia da fama do Celso. Era cara doido. Já tinha uns artigos nas costas. Estava trabalhando de peão pra ser visto como o bom moço que nunca foi.

Começou a andar armado. Morria de medo de ser pego pelos “coxinhas”, mas não tinha jeito. Ou era ele ou o Celso. E naquela noite, ao sair do trampo, foi parado na esquina por Celso.

- É agora, moleque doido. Não te avisei?

Ouviu-se um tiro ecoar na escuridão, bem na esquina do serviço de Daniel. Por sorte, Celso tava meio grogue de um baseado e não acertou.

- Filho da mãe. Ainda bem que esse nóia ta bem louco, senão, eu tava fodido. Morto.

Daniel chegou na entrada da favela cansado. Tinha corrido muito. Nem deu tempo de usar a arma que carregava na mochila, dentro da marmita. Foi então que foi parado. De novo. Dessa vez pelo Carlão e companhia limitada. O esculacho foi inevitável. O tapa, o chute, a vergonha.

- Pode vazar, macaco favelado. Cê tá limpo. Sai fora. Nem vamos te revistar. Vai tomar uma ducha e tirar esse cheiro fedido de suor de preto do corpo. Vai lavar a marmita azeda. Peão do caralho.

As risadas doía na alma de Daniel. A raiva veio. O sangue subiu. Essa porra dessa humilhação tem que acabar. Esse pau no cú não vai mais me tirar.

- Ei, Carlão, faz favor.

- Não ta satisfeito ainda meu irmão? Qual é? A chapa vai esquentar pro seu lado agora.

Foi se aproximando de Daniel. Era possível ver a maldade em seus olhos. Daniel tremeu. Abriu a mochila. A marmita. Pegou o revolver calibre 22. Velho. Enferrujado. Mas funcionava. Era pra se proteger do Celso. Mas...

- Sabe qual foi seu erro, Carlão? Não me revistar. Achar que eu estava limpo. Se ferrou, malandro.

Três disparos foi o que se ouviu. Um na perna. Um no braço e o terceiro, certeiro. No meio da testa do Carlão. Ele cambaleou. Caiu. Morte instantânea. Nem deu tempo de socorrer. Daniel, aliviado, tranqüilo, caminhou em direção a seu barraco.

- Hehehehe...Esse nunca mais zoa ninguém...

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